Imagem meramente ilustrativa
Muito da história da presença italiana em Santos se perdeu junto com os documentos confiscados durante a II Guerra Mundial. Este é o caso da escola primária mantida pela Societá Italiana di Beneficenza desde os primeiros anos do século XX, mas que dá amplos sinais da sua existência e relevância por meio de diversos registros em fontes oficiais, como em anuários da instrução pública e também em matérias de jornais da época e narrativas de membros da colônia italiana de Santos.
Uma matéria publicada no jornal Diário de Santos sobre as festividades em comemoração ao 7 de setembro de 1907 afirma terem participado dos desfiles cívicos mais de 100 alunos da escola da Societá Italiana di Beneficenza, que conduziram uma grinalda em homenagem ao Patriarca da Independência. São recortes como este, hoje disponíveis graças à digitalização do acervo de jornais antigos e disponíveis para a consulta pública, que auxiliam na (re)construção da história perdida. (Diário de Santos, edição 00280, pag. 1, 1907).
No rol de documentos oficiais, os Anuários da Instrução Pública do Estado de São Paulo, também digitalizados e disponíveis para consulta, são uma importante fonte de indícios e registros da escola da Società Italiana di Beneficenza. O relatório de 1909, no capítulo sobre o ensino privado em escolas estrangeiras, relata a existência de cerca de cem estabelecimentos dessa natureza apenas na capital do estado, atendendo a mais de seis mil alunos. O texto revelava uma certa preocupação e até mesmo um ceticismo sobre a relevância de escolas onde o idioma ou o currículo nacional não fossem predominantes.
Havia a compreensão dos motivos que levavam a colônia italiana a optar pela educação de seus filhos em escolas que promovessem o ensino da história e da geografia italianas, assim como do idioma italiano, despertando nos pequenos o amor pela terra de seus pais e antepassados, mas também havia a preocupação com os efeitos deletérios de “preparar brasileiros natos, uma geração futura de italianos, que serão, em face das nossas leis, cidadãos brasileiros”.
Este mesmo anuário de 1909 traz uma lista com o número de escolas estrangeiras (não só italianas) na capital e no interior do estado de São Paulo. Segundo esse quadro, Santos tinha 239 alunos em duas escolas estrangeiras de ensino primário, sem maiores especificações quanto à nacionalidade.
No Anuário de 1911-1912, a escola da Società Italiana di Beneficenza é citada nominalmente no rol de estabelecimentos de ensino mantidos por particulares no município de Santos, que juntos totalizavam mais de dois mil alunos, entretanto, o relatório não trazia informações individualizadas, como as que encontramos no Anuário de 1913. Neste consta que a escola da Societá Italiana di Beneficenza tinha 91 alunos matriculados no primário, sendo 61 meninos e 30 meninas, todos em regime de externato, a maioria menor de 14 anos (89 alunos) e com dois professores em seu quadro.
No jornal A Tribuna de Santos encontramos uma nota em sua edição de 01/07/1917 na qual a Società abre uma concorrência para a construção de um edifício escolar anexo à sua sede, com o intuito de ampliar e adequar o serviço escolar já ofertado (A Tribuna, edição 00097, de 01/07/1917) e em uma outra publicação, pedem donativos para manter as obras já iniciadas (A Tribuna, edição 132 de 05/08/1917). A inauguração das novas salas de aula ocorreu em abril de 1918, com uma grande festa, também noticiada no jornal, com ampla matéria
A solenidade de inauguração das novas salas de aula da escola gratuita ocorreu no dia 07 de abril de 1918 e a matéria da Tribuna de Santos destacava a dedicação da diretoria da entidade, o patriotismo da colônia italiana de Santos e o apoio que estas sempre tiveram por parte dos representantes consulares, Dr. Alberto Bianconi (ex-vice-cônsul da Itália em Santos) e Cav. Michelangelo Fiandeca (vice-cônsul em exercício na época). Graças a esse empenho conjunto e a dedicação da comunidade italiana, o imóvel da sua sede passou por uma extensa reforma, construindo os anexos para o funcionamento das salas de aulas gratuitas, expandindo o serviço que já era prestado pela entidade, do jardim de infância ao curso primário. Na sessão solene, o Sr. Augusto Marinageli, presidente da Società, proferiu seu discurso, destacando o papel das escolas das colônias, afirmando serem elas “uma continuação da Pátria distante e onde ao se aprender a língua materna e a história, concorrendo poderosamente para a união dos súditos de qualquer nação, dando-lhes força e coesão”. (A Tribuna, edições 00013 e 00014, de 08 e 09/04/1918).
Sede da Società Italiana di Beneficenza, onde foi instalada a Escola
Ainda que não tenhamos o propósito de trazer um documental inquestionável da escola mantida pela Società, podemos sim demonstrar as suas atividades ao longo das primeiras décadas do século XX. Por exemplo, foram diversos os anúncios publicados na Tribuna de Santos com o chamamento para os períodos de matrícula nos períodos letivos. Pudemos identificar esses chamamentos cobrindo os anos letivos de 1920 a 1926. Na nota publicada em 29/01/1922, há inclusive a descrição dos documentos necessários para a realização da matrícula de alunos de ambos os sexos: certidão de nascimento, certificado de vacinação, recibo de mensalidade de sócio ou atestado de pobreza para não sócios.
Em abril de 1923 ocorreu a cerimônia do assentamento da primeira pedra do novo edifício escolar da Società, em localidade próxima à sua sede. Segundo a programação para o evento, o Com. Dolfini, cônsul geral da Itália em São Paulo, conduziu a cerimônia. Também constavam no programa a saudação do cônsul por um aluno em nome da colônia italiana de Santos e do conde Francisco Matarazzo, por uma aluna e o discurso do Sr. Eduardo Barra, presidente da Società, destacando os esforços da entidade à “causa sacrossanta da instrução”.
Ainda que muitos fatos importantes permaneçam na obscuridade, pequenos fragmentos nos chegam por narrativas daqueles que vivenciaram aquela época. Numa publicação na Tribuna de 1997, a Sra. Giuseppina Marchese, filha de italianos e uma grande colaboradora da Società por quase 60 anos, relembrou sua infância, quando era aluna da Escola Alessandro Manzoni, por volta dos anos de 1939 a 1941.
Segundo ela, o sistema pedagógico era dirigido para o aluno e a família e trazia em seu currículo o ensino brasileiro tradicional mesclado com a cultura e o idioma italianos. De suas lembranças, trouxe o nome do diretor, o Prof. Vedotti, um italiano vigoroso e enérgico, e também das professoras Emma Paini Orsi, Gelsina Guida, Dinah Maria, Maria Elisa Caldas e Dalila Maia.
Dois fatos curiosos também foram revelados. Um deles, de 1940, relata a encenação de uma peça infantil intitulada “Giocattoli d’Italia” ,coreografada pela coordenadora de arte da Società, que era ninguém menos que a jovem atriz Cacilda Becker. O outro, tratava-se de uma medalha de honra ao mérito ofertada pela Casa Real aos alunos que se destacavam ao longo do ano letivo. Essa medalha trazia a esfinge do rei-imperador Vittorio Emanuele – diz a matéria, que Giuseppina orgulhosamente mostrou a sua, de bronze. (A Tribuna, edição 00207, pag. 20, 1997)
Trecho da matéria publicada no jornal Diário de Santos sobre as festividades em comemoração ao 7 de setembro de 1907.